segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Perfil: Chico Lobo


A entrevista começou em um sábado, na cidade de Barroso, onde o violeiro, cantor e compositor Chico Lobo fez uma apresentação em praça pública. Após o show, fui até ele para conseguir um autógrafo em seu DVD e dizer que o veria novamente em Lagoa Dourada, uma semana depois, no show da Festa do Rocambole. Foi aí que conheci tamanha simpatia desse monstro da viola sertaneja: “Ah, que bacana! Semana que vem passa lá no meu camarim pra gente conversar.”

Convite feito, convite aceito. Uma semana depois, já em Lagoa Dourada, estava eu no palco, cerca de três horas antes do show, para fazer uma entrevista com o Chico. Vestindo um agasalho de moletom, usando óculos e sem o chapéu de feltro característico de suas apresentações, o velho Lobo fazia os últimos ajustes e parecia estar em seu primeiro show, em razão do cuidado com cada detalhe, com cada pequeno detalhe. Chico coordenava cada minúcia e trocava idéias com os músicos a todo momento. E lá de cima, batendo as cordas da viola decorada com as fitas de devoção aos Santos Reis, Chico Lobo cumprimentava os primeiros apreciadores da boa música, que se aproximavam do palco, gritavam seu nome e acenavam para o violeiro. Ao final da passagem do som, fui convidado pela equipe para jantar com todos e lá realizar a entrevista. Mais uma vez, convite aceito.

E a prosa com o “Chico mineiro” rendeu. Enquanto esperava a couve e o angu, conversei com o ilustre súdito das folias de reis, dos congados e das catiras. Ele, que desde criança e por influência de seu avô e de seu pai, tomou gosto pelas cantigas tocadas ao som que sai do bojo da viola. Essa viola que é o seu ganha pão, grande paixão de sua vida, mas que poderia não ter sido. Chico Lobo formou-se em Educação Física, com Pós-Graduação em Psicomotricidade do Movimento. Quando perguntei do motivo de um violeiro nascido nas Vertentes mineiras (Chico Lobo é de São João del-Rei e radicado na capital Belo Horizonte) se interessar por essa área, Chico disse que buscava unir a Educação Física à viola. Usava o instrumento nas rodas com os alunos, pois se tornava uma modalidade mais lúdica. Talvez o universo dos violeiros não tivesse o brilho dessa estrela mineira não fosse um acidente no qual fraturou a mão esquerda. Foi a partir daí que Chico resolveu se dedicar exclusivamente às cordas que cantam as culturas do sertão, para a alegria dos apreciadores da boa música raiz.

Enquanto conversávamos, o violeiro pediu licença para verificar o telefone celular, achando que poderia ser uma ligação de um de seus três filhos com a fiel companheira, assessora e esposa Ângela Lopes, a quem o músico chama de “Guerreira”. Foi aí que perguntei se algum deles tinha o gosto e a vocação de seguir os passos do pai. Chico, que nunca estudou música, disse que é perceptível nos filhos certo talento para o mundo das artes e da cultura, mas que prefere deixar que eles façam suas escolhas: “Eu não vou forçar nada. Se quiserem, será uma opção deles”, respondendo à minha pergunta sobre se chegou a matricular algum deles em aulas de música.

Chico Lobo integrou o folclórico Grupo Aruanda, de Belo Horizonte, que atua na pesquisa, preservação e divulgação de danças e folguedos populares. Tempos depois, decidiu seguir carreira solo. Considera-se, junto com outros artistas do Brasil, um desbravador de fronteiras, pelas dificuldades em se promover e difundir a viola sertaneja pelo país. Para ele, uma tradição que hoje é mais conhecida e melhor divulgada que no passado: “Atualmente toda casa tem um televisor, muita gente tem acesso à internet, e isso facilita o nosso trabalho (...). Os artistas tem assumido mais essa viola”, ressaltou o violeiro. Perguntei a ele se o sertanejo universitário também ajuda e ele foi direto: “O sertanejo universitário não é da viola (...). Sertanejo é música que vem do sertão e esse novo estilo não vem. Quando alguém toca viola num show desses, a juventude acha que o instrumento é um suvenir ou enfeite, ela fica pitoresca”. Chico acha que esse estilo é muito massificado, forçado da mídia para o público. A viola é uma coisa das comunidades. Ela existe por causa das catiras, folias e congados, do amor de muitos assim como ele. Há um mercado paralelo que a faz sobreviver.

Chico Lobo divide suas atividades entre shows e apresentação de programas de rádio e televisão. Quando encontra tempo livre na agenda, procura adiantar a gravação dos programas da TV. Se viaja para o exterior, lança mão desse material e também de algumas reprises, além de ficar um pouco longe dos palcos brasileiros. As experiências fora do país foram muitas, apresentando-se em lugares como Itália, Canadá, Áustria, Portugal, Chile e, mais recentemente na China, onde representou a música brasileira em um evento internacional: “Na Itália foi muito especial, pois foi minha primeira turnê ao exterior, convite que recebi logo depois da indicação ao Prêmio Sharp como revelação da música regional brasileira com o disco ‘No Braço Dessa Viola’, mas tocar em Portugal é sempre mais profundo, pois nossa viola tem ligação íntima com a viola portuguesa”. Chico também quer conquistar o mercado da América Latina, mas acha a tarefa um pouco mais difícil, devido à grande diversidade de coisas que chegam todos os dias até as pessoas. Já na China, a experiência segundo ele foi inusitada, pois teve boa receptividade e os chineses gostaram muito: “Quando um artista canta a sua verdade, canta com sinceridade, o público também é verdadeiro com ele”. 

Já com o cheiro da comida tomando conta do ambiente, e com o tempo até o início do show ficando mais curto, perguntei ao violeiro sobre seus próximos projetos. Ele, que já possui diversos discos e parcerias lançadas, além de ter sido indicado em 2002 ao Grammy Latino com o disco Cantoria Brasileira, abriu um sorriso dizendo que foi convidado para retornar à China e que pretende lançar em breve outros dois trabalhos: seu primeiro disco instrumental, chamado de “3 Brasis”, no qual Chico faz parceria com o consagrado clarinetista Paulo Sérgio Santos e com o violoncelista Márcio Malard, e um outro trabalho temporariamente batizado de “Caipira Universal”, no qual Chico recebeu músicas de compositores de todo o país (incluindo Arnaldo Antunes, Zeca Baleiro, dentre outros) e que terá a participação especial de nomes como Zé Geraldo, Virgínia Rosa, Banda de Pau e Corda e do próprio Zeca Baleiro.

Pausa para o jantar, fotos com alguns fãs e Chico corre para se aprontar para o show. A pontualidade é uma característica do Lobo. Após atender a mais pessoas, rever alguns velhos conhecidos da região, posar para fotografias e receber presentes, Chico sobe ao palco e encanta a todos com as mais belas músicas do cancioneiro popular. De cima do palco, pude perceber o entusiasmo de pessoas de todas as gerações, numa grande noite de festa e alegria. Depois de uma hora e meia de apresentação, o artista agradece a todos e retorna ao camarim para atender a uma legião de admiradores que já o aguardavam. A gentileza e atenção com cada um dos que o esperavam é singular. Se o público é importante para um artista, tamanha importância é a sua quando tem esse carinho com seu público. 

Para sorte da viola, de seus admiradores e da música raiz do nosso sertão, nomes como o de Chico Lobo seguem na batalha diária em busca de espaço e reconhecimento. Que outros tantos violeiros tenham o amor, a garra, a vontade e o talento desse mineiro da região do Campo das Vertentes que tanto nos enche de magia, encantamento e orgulho. Um mineiro que nos faz a cada dia ter mais certeza de que nossas origens nunca serão esquecidas no tempo.
RhNeto

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