domingo, 25 de setembro de 2011

O ruminante


Segundo o Dicionário Brasileiro Globo, em sua 29ª edição, aquele velho e grosso dicionário, já de páginas amareladas — e do qual, por boa prática e coerência, não deveríamos nunca nos separar — o termo ruminar significa tornar a mastigar, remoer (os alimentos que voltam do estômago à boca), coisa muito própria dos bovinos. Mas diferentemente da prática de alimentação dos habitantes de currais, a palavra ruminar, em seu sentido figurado, significa refletir ou pensar muito em alguma coisa. Em alguns dicionários disponibilizados na internet, a expressão ainda aparece como nostalgia ou lembrança do passado, que volta ao pensamento assim como o capim volta à boca da vaca que o comeu (e tornou a comer) antes de ir pro brejo. E é nesta última forma que irei utilizar o termo.


Em uma dessas minhas ruminanças, fez-me sorrir a lembrança das épocas de infância, de quando chegava da escola e brincava na rua. Não, eu não tinha jogos eletrônicos, nem internet e tampouco TV a cabo. Eu tinha muitos amigos e era com eles que eu me comunicava, de manhã, à tarde e à noite. Era com eles que eu me aventurava nas incontáveis espécies de brincadeiras, jogos e passatempos lúdicos, práticos, com pés descalços e chinelas Havaianas (até então consideradas “coisa popular” — diferentemente de hoje, artigo de luxo) encaixadas entre os dedos da mão.

São também dessa época boa de infância as guloseimas das mais variadas e saborosas, que a gente comprava nas vendinhas e armazéns dos bairros. E essas a criançada não ruminava — agora no sentido próprio da palavra — pois engolia de uma vez e queria sempre mais. Eram doces e mais doces que hoje só ficam na também doce lembrança. A corrente de balas, o pirulito de caramelo do Zorro e o chocolate Surpresa não voltam mais. Até o chocolate Lôlo se virou para Milkibar, só para atender à intrometida modernidade. Foi-se o tempo das boas brincadeiras de esquina, das conversas e dos beijinhos infantis às escondidas, tramados durante semanas e acobertados por toda a molecada.

Bola, pé descalço e dedo machucado. Quando ruminei as brincadeiras de rua, era disso que falava. Jogava bola descalço e era quase certo que chegaria em casa com o dedão do pé aberto, por ter chutado uma quina de calçada ou uma pedra grande que estivesse no meio da rua.

Bons tempos que não existem mais. Não para mim, que já sou um adulto quase rabugento das obrigações que as crianças não possuem. E não para essas crianças que — infelizmente, não por culpa delas, e talvez nem de seus pais, mas do mundo inteiro — pouco sabem sobre esses bons e intermináveis tempos de criança, que seguem vivos na minha memória até hoje e que comigo vão seguir em ruminância por toda a minha vida, longe dos pokemons, tele-tubbies e outras coisas que não nos fazem crescer direito.


RhNeto

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