terça-feira, 19 de abril de 2016

Minha experiência com os índios Fulni-ô, no agreste pernambucano

Hoje, 19 de abril, comemoramos o Dia do Índio. E, para mim, nada melhor do que celebrar esta data publicando este texto, uma experiência que vivi há alguns dias na tribo dos índios Fulni-ô, no agreste de Pernambuco... 


Aldeia dos Fulni-ô

Sempre comento com meus amigos que gosto de passar por experiências para, depois, ter uma história pra contar. Neste mês de abril de 2016, em férias pelo Estado de Pernambuco, na casa da minha irmã, tive a oportunidade de visitar uma comunidade indígena, em pleno agreste, na cidade de Águas Belas, com cerca de 50 mil moradores e uma população de aproximadamente cinco mil índios.


A visita à comunidade foi para acompanhar meu cunhado, engenheiro agrônomo, fitopatologista e professor na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Um dos descendentes da tribo o procurou, pedindo ajuda por conta de um problema em uma árvore, um juazeiro, que existe dentro de uma área da tribo. A árvore, especificamente essa que fica dentro de uma vila da reserva indígena, é considerada sagrada, tem muitas fitas coloridas presas ao seu tronco e apresentava problemas na folhagem, o que vinha tirando o sono de toda a tribo.


O famoso juazeiro, na divisa do muro que corta a tribo
Não pudemos nos aproximar do grande juazeiro. A avaliação técnica foi feita em uma outra árvore, que estava com os mesmos sintomas e a cerca de 100 metros de distância. Aliás, muito do que perguntei não foi revelado. Muitas informações são restritas aos membros da tribo. A suposta "doença" do juazeiro é o que menos me importou nessa experiência. Até porque meu cunhado constatou que se tratava apenas de uma lagarta que atacou as folhas e que, em breve, a planta iria se recuperar sozinha e que não havia o risco da árvore morrer. Tecnicamente simples. No entanto, culturalmente falando, a informação trouxe calmaria aos índios da tribo Fulni-Ô. E mais adiante explico o motivo.

Aí começou a me interessar essa história. O rapaz que procurou pelo meu cunhado fez questão de levá-lo à sede da Funai, que funciona dentro da área da reserva, para falar a alguns dos moradores sobre a normalidade da situação. Alguns índios destacaram que não vinham nem dormindo por conta da preocupação com a árvore. Já na cidade, outros indígenas também foram informados e se mostraram aliviados com o laudo final do especialista. 

O dialeto Ia-Tê
Mas algo que chamou a atenção foi a visita a uma escola bilíngue, também dentro da comunidade, que oferece a cerca de 450 alunos, de todas as idades, aulas de Ia-Tê, o dialeto oficial dos Fulni-Ô. Aquele povo indígena é o único do Nordeste que conseguiu preservar a própria língua. O português também é ensinado na aldeia. Na sala de aula, meu cunhado falou às crianças sobre o que aconteceu com o juazeiro, explicando com detalhes aos pequenos, mostrando a preocupação das lideranças indígenas na preservação da tradição. Percebemos que, se aquela árvore um dia não estiver mais lá, os Fulni-Ô também não mais estarão. E é bem isso mesmo o que descobrimos dias depois.

Na vila onde a "árvore sagrada" se encontra, uma tradição mantida ao longo de séculos. No lugar das ocas, casebres de alvenaria, colados uns nos outros. Lá, de setembro a dezembro, todos os cinco mil índios passam dias e noites, em um retiro, o Ouricuri, com seus rituais, suas tradições e suas culturas, sempre aos pés do imponente juazeiro. Homens de um lado, mulheres de outro. E um grande muro que divide a aldeia ao meio, interferido apenas pela grande árvore, que fica no centro de um terreirão. Durante o resto do ano, a vila fica deserta, inabitada, sem nenhuma porta ou janela aberta, sem uma viva alma nas ruelas de terra. Impossível não se prender a esse detalhe.

Fiquei o tempo todo pensando sobre como cresceriam aquelas crianças. Como aquela tradição do Ouricuri ajudaria e "atrapalharia" em suas vidas. O que ganhariam em preservar a tradição e o que perderiam ao ter que se adaptar a ela. "Não seja egoísta, Rhonan... É a cultura deles. Nem há motivo para se pensar nisso", explanei em pensamento. A vida é deles. A tribo é assim. É assim que eles vivem. Muitos são comerciantes no bairro à margem da cidade, que aliás foi construída em terras da aldeia, cedidas pelos índios à prefeitura, à igreja e outros mais. Quase todos são moradores da cidade, são urbanos. mas encontram no ritual do Ouricuri o refúgio para suas raízes, a fuga desse mundo louco que a gente vive. 


Uma pintura que representa a importância da árvore
Lá da tribo, como recordação, além das fotografias, inesquecíveis histórias e experiências, um artefato produzido por eles mesmos, pelos Fulni-Ô: arco e flechas, que decorarão as paredes de casa e não me deixarão esquecer sobre o que aprendi naquele dia. E, na semana seguinte à da visita, recebemos a informação de um aluno da Universidade Rural, que pertence à tribo, de que, se aquela árvore sagrada morresse, toda a tribo, todos os cinco mil índios teriam que se mudar para outro lugar, deixando tudo o que construíram para trás. Confirmamos a suspeita. Sabíamos da preocupação e da importância daquele caso. Era evidente que alguma coisa muito forte os prendia àquele juazeiro. E tomara que ele viva ainda por séculos e séculos dentro da reserva dos Fulni-ô, para o bem de toda a comunidade indígena.


Entrada da aldeia: recado dado


Fachada da escola bilíngue, dentro da comunidade


Um comentário:

  1. Muito bom o texto, parabéns Rhonan Moreira Neto. Viajar e registrar esses momentos é algo muito bacana.

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...